terça-feira, 16 de setembro de 2008

APAIXONADOS PELO TRANCE

Haja fôlego na Chapada

Música eletrônica leva quatro mil pessoas a Alto Paraíso, para cinco dias ininterruptos de som. Público heterogêneo divide fãs do estilo

César Henrique Arrais
Da equipe do correio


O estudante Davi Mattos vai à Trancendence pela segunda vez: atração pela diversidade de tipos que aparecem na festa e pelo som bate-estaca
No final da tarde de hoje, o universitário Davi Mattos, 22, vai colocar o mochilão e a barraca no bagageiro do carro e, junto de um amigo, seguirá rumo à Chapada dos Veadeiros. Pouco antes da cidade de Alto Paraíso, eles vão adentrar numa precária pista de terra, percorrer 30km e chegar ao destino final. ‘‘É um vale muito louco. Deixa qualquer um embasbacado. É o paraíso do trance’’, diz.

Davi, assim como outros quatro mil apaixonados pelo som estilo bate-estaca dos quatro cantos do país e até do exterior, vai curtir parte das 120 horas ininterruptas da festa Trancendence, que começou à meia-noite de quarta-feira e prossegue até segunda-feira, no Vale da Esperança. Essa é a quarta edição do evento, um dos maiores de música eletrônica no país.

É a segunda vez que Davi vai à Trancendence. No ano passado, ele se encantou com o ambiente do local, sobretudo pela diversidade de tipos. ‘‘Você anda um pouco e já está conversando com uma pessoa de sotaque completamente diferente. Rola uma harmonia muito grande, até porque todo mundo tá doidão. É como se fosse um Woodstock (o festival de rock que levou jovens de todo canto aos EUA, em 1969) da minha geração’’, compara. O consumo de entorpecentes — sobretudo de drogas sintéticas como o ecstasy e o LSD (ácido lisérgico) — é amplamente difundido. ‘‘Não há como desvincular drogas desse tipo de evento. Mas eu não curto esses lances. Meu negócio é encher a cara de álcool’’, garante.

O universitário, que começou a gostar de música eletrônica depois que foi à última Trancendence, acredita que a festa deste ano não será tão boa quanto a de 2002. Para ele, o público será demasiadamente heterogêneo, em função da popularização do trance. Afinal, hoje, existem tendas eletrônicas em eventos de axé music e até em festas de peão de boiadeiro. ‘‘Vai dar uma galera nada a ver. Muito mala, muito playboy, muita patricinha. Mas, mesmo assim, acho que vai dar de curtir pra caramba’’, diz Davi.

Festas como a Trancendence causam absoluta ojeriza em disc-jóqueis e fãs que cultivam a dimensão artística e criativa da música eletrônica. Profissional radicado em Dublin, capital da Irlanda, o brasiliense Pedro Frazão — o DJ Kalif — 24 anos, acredita que esse tipo de evento é puramente comercial. ‘‘O trance é o pior estilo dentro da música eletrônica, o mais pop. Serve, basicamente, para atrair quem não entende do som e quer apenas ficar no esquema de se drogar e agarrar mulher’’, critica. Segundo ele, o trance está em franca decadência na Europa, onde, com exceção da Inglaterra e Alemanha, o estilo é considerado pobre e repetitivo. ‘‘A música eletrônica é muito mais que isso.’’

Um dos mais celebrados DJs de Brasília, Giuliano Fernandes, o Hopper, também é contumaz ao criticar festas como a Trancendence. ‘‘É uma submúsica. O público que vai nesse tipo de festa é o mesmo que vai na Micarecandanga e está bem mais ligado no consumo de drogas.’’ Hopper acredita que Brasília é um dos últimos refúgios do trance. ‘‘Brasília está atrasada e os promotores aproveitam isso para ganhar dinheiro em cima de quem não conhece música eletrônica de verdade’’, afirma. Aliás, o ingresso para entrar na Trancendence custa R$ 170 e existe espaço no local para acampar sem pagamento extra.

Para Hopper, que é DJ de Techno, nesse tipo de festa as pessoas querem mostrar que fazem parte de uma tribo, usando vestimentas bizarras e consumindo drogas. ‘‘Isso acontece porque eles não sabem apreciar a música. Quem curte a cena mesmo é uma pessoa normal, que trabalha, se veste como os outros e aproveita as festas no fim de semana sem precisar ficar entupido de drogas.’’

Alexandre Duarte Soares, o DJ Shanji, pensa diferente. Especialista em trance, ele vai à Trancendence pela terceira vez. Foi convidado a tocar, mas não pode porque não conseguiu liberação do trabalho. Ele afirma que o ritmo é mais pop porque é mais dançante e ‘‘trabalha muito as mixagens’’. Shanji até admite que tem gente ‘‘nada a ver’’ na festa, mas acredita que 90% são fãs de verdade do trance. ‘‘É um evento em nível internacional com uma grande estrutura. Já vi gente que veio do Japão só para a festa. É muito trance e a galera se diverte na maior harmonia.’’


Colaborou Samy Adghirni

Trance, o mais pop

Dentre os diversos estilos da música eletrônica — techno, house, breakbeat, drum n’ bass, etc. — o trance é o único que não tem origem negra. Surgido na Alemanha, no início da década de 90, tornou-se popular entre 1994 e 1995, na Europa. Mais tarde chegou ao Brasil. Caracterizado pelo ritmo frenético — entre 140 e 170 batidas por minuto — e melodias elementares, com uma poluída mistura de sons, o trance transformou-se no estilo mais pop entre os eletrônicos, uma espécie de carro-chefe de eventos gigantescos, como a Trancendence, principalmente pela identificação do ritmo com o consumo de drogas sintéticas. Para os que curtem a música eletrônica mais autêntica, o trance vende a idéia de uma pseudo-misticismo, com seu ritmo previsível, arranjos precários, sons fáceis e timbres grotescos.

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